Tempo

Felina, deslizava as unhas em minhas costas e eu sentia que rasgava-me a pele. Como vingança-carinho, a beijava com mais força e apertava meus dentes em seus lábios até sentir que poderia sangrá-la. Interrompia a dor e a olhava com ternura. Éramos a loucura e o precipício. No meio daquele dia quente e seco, o suor tinha a textura de plástico derretido e o cheiro de maças desidratando sobre a mesa, esquecidas sobre um velho cesto de vime. Ela queria ir embora e eu a apertava com força, num abraço ofídico. Era isto o amor que eu sentia: devorá-la para ser unicamente minha, para que convivesse na imortalidade de minhas entranhas e da minha memória. Eu nunca soube o que era o amor. Errava, também, em não saber que ela nunca tinha sido a presa. Sempre refém de suas vontades, eu deixava-me viver em prol de sua existência, transformado a mim numa ilusão, um reflexo do que ela era ou do que eu imaginava que via quando a olhava. No meio daquele abraço quente, no meio daquela tortura de desejo nunca saciado e da ânsia de gravá-la em minha pele, talhá-la em minha alma, minhas costas ardiam e ela, abrindo a porta do carro, se despedia enquanto eu roçava meus dedos nos fios de seus cabelos soltos. “Quem sabe outro dia…”, era sua frase perdida na inconsistência do tempo. Ia embora úmida, eu sei. Seu desejo era tanto quanto o meu, mas ela tinha mais correntes prendendo-a às coisas humanas: o certo, o que diriam, os santos nos altares, os olhares da infâmia. Depois, em mim, brotava uma tristeza sem fim, um fim de existência, um  silêncio-mágoa e nódoa. Ser feliz nunca esteve escrito em minhas linhas.

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