Passeio

          Entrelacei meus dedos aos dela e senti-os frios. Já era noite e a praça tinha luzes acesas, mas que de pouco serviam, perdidas e frágeis devido as sombras das árvores. Era a primeira vez que eu e ela, finalmente, passeávamos juntos, em público, num lugar tão conhecido por mim. Fechei os olhos e senti a brisa fresca que vinha das últimas ruas desta pequena cidade, quadro pálido em parede de reboco de minhas memórias infantis e juvenis.

        Caminhávamos lentamente, mãos dadas, indubitavelmente inocentes de nossos pecados. Senti o roçar delicado de seu vestido esverdeado em minhas pernas e, a dança daquele tecido, fazia-me tremer de paixão, desejo, alegria. Ela, finalmente, poderia ser minha companhia, aos olhos de todos, aos olhos da lua, aos olhos dessa praça triste e quieta. Olhando para baixo, encarei as pernas grossas e brancas dela e o vestido emoldurava com perfeição o que já era belo.

         Os dedos dela continuavam frios, por mais que eu os acariciasse, apertasse. Não era estranho este toque já que ela sempre era tão temerosa, sempre assustada com a vida, com o gosto do novo, o gosto de estar feliz. O medo, na verdade, era uma constante entre nós dois. Sempre receosos que éramos de sermos vistos, sermos descobertos, sermos crucificados publicamente por nossos desejos, nosso amor. Agora, isto no passado, eu estava aberto a ser feliz como havia sonhado, aberto para passear com ela sob a luz da lua e sob as sombras das árvores de minha história.

Não falei, tampouco ela, qualquer palavra. Era desnecessário, como tantas outras vezes foi. Sabíamos viver o silêncio de maneira que não nos incomodava e nossas palavras eram nossos desejos, o toque, o olhar, o gesto. Amei-a assim, sempre, no silêncio, no secreto, no indizível desejo carne-alma.

Como disse, caminhamos algum tempo, meus dedos abraçados aos dedos frios dela, a alegria apertando meu peito, o desejo por ela alimentando minha ilusão, minha existência. Olhei em volta e a praça continuava vazia, silenciosa, e desejoso, pensei em tomá-la em meus braços e possuí-la ali mesmo, em um daqueles bancos de praça, erguer seu vestido e estar dentro dela outra vez. Ao me virar à procura de seu olhar infinito e esverdeado, à procura de sua boca úmida e selvagem, encontrei-me com o vazio de minha existência e o infinito de meus fracassos: somente a praça morta e gélida existia ao meu redor.

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