Despertar

Solitário, o telefone me desperta com seu som agudo. Se eu continuar deitado, perderei a hora. Não quero ir. Levanto-me rapidamente e todos os cômodos estão escuros e preciso ficar apertando diversas vezes o botão on-off do celular para ter um pouco de iluminação antes de chegar ao banheiro. Não quero acender as luzes da casa. São poucos metros, poucos passos, logo estou no banheiro e acendo a luz. Pisco rápido para me adaptar. Quero voltar a dormir, não quero sair de casa, não quero ir. Levanto a tampa do vaso: é branco como o teto, as paredes, a pia. Urino um jato amarelo claro e o jato de urina quer dançar dentro da louça. Depois, lavo minhas mãos e olhos meus olhos cansados no espelho. A noite não me fez qualquer bem: tenho a mesma face triste (e solitária…) de ontem. Respiro fundo, de olhos fechados, o ar parece me obrigar a tomar decisões, a ser forte, mostrar que devo prosseguir. Saio do banheiro, vou até a cozinha. Já não está tão escuro: deixo a luz do banheiro acesa. Na cozinha, acendo a luz, pego o filtro de papel e abro a cafeteira: é vermelha, um vermelho forte, mas pálido já pelo tempo de uso. Ao abrir a cafeteira, vejo que o filtro com o pó do café de ontem permaneceu ali. Retiro-o, jogo-o ao lixo. Coloco o filtro de papel novo na cafeteira. O tamanho do filtro é 102, o mesmo do filtro da cafeteira, ainda assim as bordas do papel ultrapassam altura da borda do filtro da cafeteira e isso sempre me atrapalha um pouco na hora de fechar a tampa. Às vezes a tampa se entreabre com a pressão do vapor e do tamanho a mais no papel. Pego a lata de café em cima do armário (é um pequeno pote transparente com tampa verde claro). Dentro tem um pequeno medidor: uma colherzinha plástica e pequena, abaulada, branca. Uso três ou quatro colheres, muito cheias, transbordando. Não é muito e, muitas vezes, o café fica fraco, mas isto acontece quando coloco muita água. Pego a garrafa de café. Garrafa verde como a tampa do pote de café, talvez um pouco mais escura, mas mesmo tom. Encho a garrafa de água, coloco esta água no reservatório da cafeteira e aperto o botão inferior e lateral esquerdo da máquina e uma luz laranja acende-se. A máquina começa a fazer barulho e rapidamente, eu sei, a água vai ferver e escorrer dentro do filtro e daí para o vasilhame transparente. Retorno ao banheiro. Estava frio, dormi de camiseta de malha fria de cor bege e um short de tectel preto com alguns desenhos brancos. Talvez dragões ou algum tipo de criatura marinha. Tiro a roupa. Primeiro a camiseta. Depois o short. Nu, olho para o alto e vejo se o chuveiro está com a chave seletora na posição inverno. Está. Ligo o chuveiro, pego o barbeador (verde escuro, três lâminas, vários usos anteriores) e um sabonete de tom amarelado, novo. Molho a mão na água quente, jogo-a no rosto. Esfrego o sabonete. Faço a barba. Movimentos descendentes, na primeira vez. Torno a lavar o rosto na água quente, torno a passar o sabonete e a lâmina, desta vez num movimento ascendente. Lavo o rosto novamente na água quente e, só então, entro sob a água para me banhar. Está quente. Não gosto, mas na outra temperatura estaria muito fria para o tempo que está fazendo. Toma banho e, debaixo do chuveiro, pego a escova e o creme dental. Escovo os dentes em vários movimentos confusos, como um ataque de epilepsia, sem seguir um único destino horizontal ou vertical. O creme dental me desperta mais do que a água do chuveiro. Termino de escovar os dentes, guardo a escova (marrom com vermelho e branco) e o creme dental. Pego a toalha que ficou na porta da noite anterior, seco meu corpo, menos meus pés. Depois passo o rodo pelo chão e empurro a água do piso para o ralo. Depois de me secar saio nu para o quarto (consigo ouvir o barulho da cafeteira e o café está pronto, porque não ouço o vapor, somente um gotejar…) e, não tivesse que sair, ficaria nu o dia todo. De volta ao quarto, acendo a luz e pego a roupa que devo – devo – usar.

            E repetirei estas palavras, e todos os milhões de outras que descreveriam o resto de meu dia, por todos os dias do resto de minha vida, numa rotina infinitamente e tediosamente previsível.

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